Em certa altura de seu show com o BaianaSystem, no Festival de Verão Salvador, Carlinhos Brown esmerilhou tambores, depois ficou na frente do palco, de costas para o público e de frente para a banda. Com duas baquetas nas mãos, regeu os instrumentistas como se fosse um maestro.

A apresentação, que aconteceu neste sábado (27), o primeiro dos dois dias de festival, parecia de fato de uma orquestra. Mas uma dos mais variados tambores, de guitarras e guitarra baiana, num encontro energético de diversas vertentes da música afrodiaspórica feita na América do Sul.

No ano passado, o BaianaSystem havia estreado um show em que se mesclou ao Olodum, já um encontro interessante da música afro-baiana, no mesmo Festival de Verão. Desta vez, a música jamaicana saiu de cena —seja no dub do BaianaSystem ou no samba-reggae do Olodum.

Entrou em cena a latinidade presente tanto na obra de Brown quanto do grupo baiano. “Sulamericano”, do BaianaSystem, foi encorpada com um trecho de “Quizás, Quizás, Quizás”, clássico de Osvaldo Farrés, enquanto o líder da Timbalada puxou faixas como “Cumbiamoura”, temperada com latinidade.

Entre sucessos do BaianaSystem e de Brown, o show foi suado. Em menos de dez minutos, a primeira roda já estava aberta, e o público não parou de pular durante as performances —isso apesar do calor de quase 30°C em Salvador.

Em certa altura, o vocalista do BaianaSystem Russo Passapusso balançava os ombros, Carlinhos Brown pedia que a plateia, já com as rodas abertas, batesse palmas, enquanto a cantora chilena Claudia Manzo cantava por cima da percussão e guitarra baiana. Não faltou estímulo para as dezenas de milhares no Festival de Verão.

No palco, o BaianaSystem parece um organismo vivo. No ano passado, se adaptou para receber o Olodum, e este ano conseguiu de adaptar ao repertório de Brown, cheio de clássicos como “Dandaluna”e “Maimbê Dandá, sem perder a pegada.

Passapusso emenda trechos de canções do grupo em diferentes, e com Brown puxou também “Pagode Russo”, de Luiz Gonzaga, e “Na Baixa do Sapateiro”, de Ary Barroso. Brown também engrossou o caldo do repertório do grupo, tocando percussão em canções como “Lucro”.

Citar gêneros musicais chega a ser reducionista perto da quantidade de referências reunidas no show de BaianaSystem com Carlinhos Brown. Dos graves eletrônicos aos metais, passando pelo mais diverso cardápio percussivo.

Em certa altura, Roserval Evangelista enteou no palco em uma cadeira de rodas com sua guitarra. Vizinho de Brown no bairro soteropolitano do Candeal, ele tocou no clássico disco do artista nos anos 1990, “Alfagamabetizado”, e mostrou sua habilidade, chamado pelo padrinho de “Hendrix da Bahia”.

No Festival de Verão, BaianaSystem e Carlinhos Brown fizeram um show ao mesmo tempo experimental e de apelo popular. Um feito raro e uma tempestade de estímulos musicais aos ouvidos do público, em diálogo constante com a história, mas sem nunca se entregar à nostalgia cansada de sucessos estáticos.

Se funcionaram como uma orquestra, Brown e BaianaSystem foram uma espécie liberta desse tipo de conjunto. Dançarinos passearam pelo palco, os vocalistas conversaram espontaneamente entre si e o diálogo musical transcendeu qualquer roteiro. O ponto de encontro foi a Bahia, único lugar possível para receber a estreia deste show.

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