Em sessão solene, o Congresso Nacional promulgou a maior reforma tributária desde a ditadura militar. A emenda constitucional que muda a tributação sobre o consumo no País foi aprovada na última sexta-feira (15) após mais de 30 anos de debates. O desafio agora será a regulamentação por meio de leis complementares, que serão enviadas pelo governo ao Legislativo em 2024.
A cerimônia de promulgação contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin, do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, e dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
“É hoje e aqui que mudamos a trajetória do País. É uma conquista do Congresso e do povo brasileiro”, afirmou Pacheco. “Mesmo com tanta dificuldade de se chegar a um novo texto, a reforma tributária se impôs. O Congresso aprovou a reforma porque não havia mais como adiá-la”, destacou,
Lula afirmou que, com a aprovação da reforma, o Congresso demonstrou “compromisso com o povo brasileiro”. “Não precisa gostar do governo, gostar do Lula, mas guardem essa foto, e se lembrem: contra ou a favor, vocês contribuíram para esse País, na primeira vez no regime democrático, (ao) aprovar uma reforma tributária”, disse.
Militância
Nem a sessão solene, geralmente mais atenta a liturgias, escapou da disputa entre governo e oposição, com parlamentares alternando gritos de guerra e xingamentos. De um lado, governistas gritavam “Lula, guerreiro, do povo brasileiro”. De outro, se ouviam gritos de “ladrão”.
“Esperava que seria um dia de consagração (…). Pediria a essa Casa que se terminasse essa sessão com o maior nível de respeito possível. Essa Casa representa. Vamos fazer o máximo possível para nos comportarmos”, pediu Lira. “Foram 40 anos de espera que transformaram nosso sistema tributário num manicômio fiscal. Não havia mais tempo a esperar. O Brasil merecia um sistema tributário organizado, eficiente, justo e que se transformasse em um dos pilares para o desenvolvimento. É a primeira ampla mudança do sistema tributário nacional feita no regime democrático”, disse o presidente da Câmara. No discurso, Lira se referiu a Haddad como “parceiro constante dessa luta”.
O ministro, por sua vez, rebateu críticos que dizem que a reforma é imperfeita. “Perfeição e imperfeição são atributos que não cabem a um projeto coletivo com tantos atores. Isso aqui aglutinou muitos anseios, muitas disputas e muitas delas legítimas. Ela é perfeita porque foi feita sob a democracia. Todo mundo foi ouvido. E ela é perfeita porque reconhece que o processo histórico há de torná-la ainda melhor.”
Mudanças
A reforma institui o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual: um do governo federal e outro de Estados e municípios. O novo modelo de tributo tem por princípio a não cumulatividade plena, ou seja, impede a chamada “tributação em cascata”, que hoje onera consumidores e empresas.
Serão três novos tributos: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), substituindo o ICMS dos Estados e o ISS dos municípios; a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substitui PIS, Cofins e o IPI, que são federais; e o Imposto Seletivo, que incidirá sobre produtos danosos à saúde e ao meio ambiente.
Também faz parte da espinha dorsal da reforma o deslocamento da cobrança dos tributos da origem (onde a mercadoria é produzida) para o destino (onde é consumida). Com essa nova sistemática, a reforma promete colocar fim à guerra fiscal entre os Estados, na qual governadores concedem incentivos tributários para atrair investimentos – uma anomalia brasileira, que se perpetua por décadas.
Com a reforma, a expectativa é de que o Brasil entre num novo ciclo de aumento da produtividade, do investimento e do Produto Interno Bruto (PIB). A mudança, porém, não será de uma hora para outra, pois haverá um período de transição.
O potencial de crescimento é considerado difícil de mensurar, mas a aposta é de que o avanço de se unificar a base de tributação entre bens e serviços será muito maior do que o prejuízo advindo das exceções aprovadas pelo Congresso e que podem levar a alíquota do IVA a uma das maiores do mundo.
Haddad afirmou que a Fazenda vai recalcular os impactos das mudanças feitas na Câmara, mas indicou que a alíquota-padrão deve ficar no máximo em torno de 27,5%.
Leis complementares
O governo terá um prazo de 180 dias para elaborar os projetos que serão enviados ao Congresso para regulamentar as novas regras de tributação do consumo, mas o secretário extraordinário do Ministério da Fazenda para a reforma, Bernard Appy, planeja concluir os textos antes do fim do prazo.
Lira, um dos fiadores da reforma, já alertou que essas legislações trarão os “detalhes mais agudos” do novo sistema e, portanto, exigirão atenção redobrada. “No primeiro dia legislativo de 2024, começaremos a discutir a indispensável legislação complementar”, disse o presidente da Câmara ontem.
Essas legislações vão definir, por exemplo, a alíquota do IVA dual. Também será por meio da regulamentação que ficará mais claro como funcionarão os regimes diferenciados e as alíquotas reduzidas para determinados setores – multiplicados em razão da pressão de setores econômicos.
No ano que vem, governo e Congresso também definirão a atuação do Comitê Gestor do IBS, que distribuirá os recursos para Estados e municípios; a composição da cesta básica, de grande interesse do agronegócio e do setor supermercadista; o sistema de cashback (devolução de tributos), previsto para a conta de luz e o gás de cozinha; e a implementação do Imposto Seletivo.
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