Um condomínio no Jardim Botânico, Distrito Federal, causou uma verdadeira polêmica entre os moradores do residencial após informar, em dois artigos do regimento interno do local, que alimentar, acolher e oferecer lar temporário a animais, por exemplo, será proibido, sob pena de multa.
O documento, que consta na página oficial do condomínio, é apresentado como “nova convenção e regimento do Mônaco”, que, segundo moradores, deverá ser votado em 60 dias. A alteração, contudo, não agradou boa parte dos condôminos que, inclusive, costumam resgatar animais abandonados.
“É um absurdo o que estão tentando fazer. A gente vem para um lugar desse porque o terreno é grande, um ambiente que dá para pets correram e brincarem. De repente, no entanto, aparece uma proposta dessa. Estão tentando impedir que as pessoas ajudem esses bichos que tanto precisam da gente”, disse uma moradora, que não quis se identificar por medo de represália.
“Uma coisa é um morador apresentar algum problema com o animal dele. Nesse caso, o síndico pode chegar [no morador] e aplicar uma multa. Outra coisa é quererem impedir que ajudemos os animais dentro da nossa propriedade, Não há outra palavra, é um absurdo”, pontuou outra moradora que também terá a identidade resguardada.
Segundo a advogada animalista Evelyne Paludo, apesar de o início do artigo 7º do documento não apresentar erro, o problema surge no momento em que o condomínio cita o acolhimento de animais. Conforme relatado pela especialista, abrigar bichos não tem fins comerciais. Logo, a imposição viola o exercício da propriedade, que garante ao dono do terreno o direito de decidir o que terá dentro da propriedade.
“Mesmo a pessoa sendo proprietária do imóvel, as questões de vigilância sanitária para empreendimentos comerciais precisam ser respeitadas. Se o condomínio, por exemplo, é residencial, ele pode impor regra quanto a fins comerciais, principalmente no caso da criação de animais. Em muitos estados, o código sanitário estadual proíbe criação de bichos para venda em perímetros urbanos. Nesse caso, se o condomínio repete essa regra, não há nada errado”, começou a advogada.
“Por outo lado, o acolhimento de animais não tem fim comercial. Então, nesse trecho, o condomínio viola o exercício da propriedade”, pontuou.
Evelyne explica, ainda, que no artigo 8º a imposição é ainda mais grave. “O artigo viola a regra da proibição da crueldade. Isso porque deixar animais com sede e com fome é causar sofrimento desnecessário, pois você pode alimentar o bicho. E essa regra da proibição da crueldade está lá no artigo 225, parágrafo 1º, inciso 7º da Constituição Federal. Dessa forma, a omissão em fornecer água e comida pra um animal que está com fome é uma prática cruel”, detalhou a especialista.
“O mesmo artigo, inclusive, fala que é dever do poder público e de toda a sociedade promover a proteção ao meio ambiente. Os animais, de maneira geral, estão compreendidos dentro do meio ambiente, ou seja, dentro da nossa esfera de obrigações e deveres como cidadãos brasileiros”, finalizou a advogada.
Animais comunitários
No Distrito Federal há uma lei que dispõe sobre a alimentação de animais em situação de rua. De autoria do deputado Daniel Donizet, a Lei 6.612 fala sobre esses bichos abandonados que são cuidados pela sociedade e receberam o apelido de animais comunitários.
De acordo com Donizet, a Constituição Federal protege os animais e, portanto, o condomínio não pode proibir que eles sejam alimentados pelos moradores. “Cuidar dos animais abandonados também é um Direito Humano, garantido pela Constituição Federal, que impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender o meio ambiente, incluindo os animais”, disse o deputado.
”As regras condominiais não podem dispor de forma contrária à lei, e, portanto, a proibição de alimentar animais comunitários nas áreas comuns e as multas provenientes desta proibição são abusivas e podem ser anuladas pela via judicial. Tenho uma lei em vigor que garante o direito da população de oferecer comedouros, bebedouros e abrigo para animais comunitários em locais públicos e privados, portanto, nossa Lei também inclui os condomínios”, declarou.
À reportagem Donizet explicou que “se o cuidador dos animais comunitários passar por algum tipo de constrangimento ou abuso psicológico, pode ser requerida uma indenização por danos morais contra o condomínio, síndico ou morador responsável pela ofensa”.
Defesa
O Metrópoles tentou contatar a administração do condomínio Mônaco, que se manifestou por meio de nota. Leia, na íntegra:
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“Em relação à denúncia recebida pelo Metrópoles, é importante registrar que tanto as convenções coletivas de condomínio quanto os regimentos internos devem estritamente seguir os preceitos da Lei, em especial a Lei nº 4.591/1964.
No que diz respeito ao assunto, é relevante ressaltar que o condomínio é totalmente favorável à presença de animais. Nesse contexto, nos termos da nova norma, ainda sujeita à aprovação, atribui-se ao condomínio a responsabilidade de acolher, amparar e cuidar dos animais perdidos ou abandonados nas áreas comuns, providenciando assistência veterinária, alimentação e condições dignas em um canil próprio, até o momento da adoção.
A restrição da circulação de animais perdidos ou abandonados, bem como a proibição de alimentação por parte dos condôminos, visa prevenir possíveis doenças transmissíveis e garantir a segurança tanto dos moradores quanto dos próprios animais. Vale destacar que o condomínio assume a responsabilidade de acolher, levar ao veterinário e proporcionar condições dignas aos animais domésticos perdidos ou abandonados. É importante ressaltar que tal medida não se aplica à proibição de alimentação de animais identificados e dos próprios animais de estimação dos condôminos nas áreas comuns.
Quanto à proibição da prestação de serviços de canil, hotel para cachorros e cuidador (pet sitter) nas instalações de condomínios exclusivamente residenciais, tal restrição recebe respaldo de entendimento unânime da 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF).
Aliás, em uma reportagem meritória, o Metrópoles já abordou sobre a impossibilidade da oferta de serviços de canil e hotel para cachorros nas instalações de condomínios. Além disso, a necessidade dessa regulamentação se tornou evidente devido à presença de um canil e uma ONG no condomínio, que abrigavam mais de 40 cachorros. Isso estava ocasionando problemas como latidos frequentes e mau odor, resultantes da falta de manutenção e limpeza da unidade condominial residencial. Adicionalmente, alguns condôminos estavam posicionando comedouros com ração nas calçadas de suas unidades, o que atraía e propiciava a proliferação de diversos animais de diferentes espécies perdidos ou abandonados, sem o devido controle, o que poderia ensejar a transmissão de doenças infecciosas e a falta de segurança aos condôminos.
Aproveitamos a ocasião para comunicar que os termos da proposta da nova convenção e do regimento interno ainda não foram definitivamente estabelecidos. Eles foram encaminhados para a leitura de todos os condôminos, com o propósito de receber observações e sugestões antes da votação de aprovação e do registro oficial. É relevante destacar que, após considerações e sugestões, as novas normas condominiais serão submetidas à análise do departamento jurídico do condomínio, visando assegurar a melhor segurança jurídica para todos os envolvidos”.
Com informações do portal Metrópoles
Com informações da Seplad-DF
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