Sapo de serapilheira

O sapo da serapilheira (Haddad binotado) emite um pedido de socorro em frequências que os humanos não conseguem ouvir, mas os predadores conseguem. Crédito: Henrique Nogueira

Pela primeira vez na América do Sul, pesquisadores registraram o uso do ultrassom por um sapo endêmico da Mata Atlântica do Brasil, que tem mais espécies de anfíbios do que qualquer outro país. Outros sapos podem usar chamadas de frequência muito alta.

Um estudo relatado na revista Acta Etológica registraram pela primeira vez o uso de ultrassom por anfíbios na América do Sul. Também descreve o primeiro caso documentado de uso de ultrassom para defesa contra predadores, em um pedido de socorro de intensidade ensurdecedora para muitos animais, mas inaudível para humanos.

“Alguns potenciais predadores de anfíbios, como morcegos, roedores e pequenos primatas, são capazes de emitir e ouvir sons nesta frequência, o que os humanos não conseguem. Uma das nossas hipóteses é que o pedido de socorro seja dirigido a alguns deles, mas também pode ser que a faixa de frequências larga seja generalista no sentido de que deve assustar o maior número possível de predadores”, disse Ubiratã Ferreira Souza, primeiro autor do artigo. O estudo fez parte de sua pesquisa de mestrado no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-UNICAMP), no estado de São Paulo, Brasil, com bolsa da FAPESP.

Desvendando o mundo ultrassônico dos anfíbios

Outra hipótese é que o grito tenha como objetivo atrair outro animal para atacar o predador que ameaça o anfíbio, no caso, a rã serapilheira (Haddad binotado), uma espécie endêmica da Mata Atlântica brasileira.

Os pesquisadores registraram o pedido de socorro em duas ocasiões. Quando analisaram o som usando um software especial, descobriram que ele tinha uma faixa de frequência de 7 quilohertz (kHz) a 44 kHz. Os humanos não conseguem ouvir frequências superiores a 20 kHz, que são classificadas como ultrassom.

Observações de comportamentos defensivos em sapos

Ao emitir seu pedido de socorro, esse sapo realiza uma série de movimentos típicos de defesa contra predadores. Ele levanta a frente do corpo, abre bem a boca e balança a cabeça para trás. Em seguida, ele fecha parcialmente a boca e emite um chamado que varia de uma banda de frequência audível para humanos (7 kHz-20 kHz) até uma banda de ultrassom inaudível (20 kHz-44 kHz).

“Tendo em conta que a diversidade de anfíbios no Brasil é a mais alta do mundo, com mais de 2.000 espécies descritas, não seria surpreendente descobrir que outras rãs também emitem sons nestas frequências”, disse Mariana Retuci Pontes, uma coautor do artigo e doutorando no IB-UNICAMP com bolsa da FAPESP.

Potencial comunicação ultrassônica entre espécies

A utilização dessa estratégia por outra espécie pode ter sido descoberta acidentalmente pela própria Pontes. Em janeiro de 2023, durante visita ao Parque Estadual de Turismo do Alto Ribeira (PETAR), em Iporanga, interior de São Paulo, Pontes avistou sobre uma pedra um animal que provavelmente era um sapo cabeçudo de Hensel (Ischnocnema henselii), embora ela não tenha coletado o animal para identificar a espécie com precisão.

Segurando o sapo pelas pernas na tentativa de tirar uma fotografia, ela ficou surpresa ao descobrir que seu movimento defensivo e seu pedido de socorro se assemelhavam muito aos do sapo. H. binotatus. Uma víbora lanceolada (Bothrops jararaca) estava a poucos metros de distância, aparentemente confirmando a hipótese de que esse comportamento é uma resposta a predadores.

Evolução da pesquisa e direções futuras

Ela conseguiu gravar um vídeo, mas não conseguiu analisar a trilha sonora para confirmar a presença da banda de frequência do ultrassom. Agarrar as pernas de um sapo é um movimento normalmente usado por pesquisadores para simular o ataque de um predador, segundo a documentação do H. binotatus.

“Ambas as espécies vivem na serapilheira, são semelhantes em tamanho (entre 3 cm e 6 cm) e têm predadores semelhantes, então é possível que I. henselii também utiliza esse pedido de socorro com ultrassom para se defender de inimigos naturais”, disse Luís Felipe Toledo, último autor do artigo e professor do IB-UNICAMP. Ele é o investigador principal do projeto “Da história natural à conservação dos anfíbios brasileiros,” apoiado pela FAPESP.

A primeira vez que Toledo suspeitou que H. binotatus emitiu sons em frequências altas demais para os humanos ouvirem foi em 2005, quando ele era doutorando no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-UNESP), em Rio Claro. Porém, ele não conseguiu verificar frequências acima de 20 kHz devido às limitações dos equipamentos disponíveis na época.

Existem também gravações de chamados ultrassonográficos de três espécies de anfíbios asiáticos, mas as frequências em questão são utilizadas para comunicação entre indivíduos da mesma espécie. Nos mamíferos, o uso do ultrassom é comum entre baleias, morcegos, roedores e pequenos primatas. Seu uso por anfíbios para autodefesa contra predadores era desconhecido até o estudo de Souza et al.

Os investigadores planeiam agora abordar uma série de questões levantadas pela descoberta, tais como quais os predadores que são sensíveis ao pedido de socorro, como reagem a ele e se o pedido se destina a assustá-los ou a atrair os seus inimigos naturais. “Será que o chamado tem como objetivo atrair uma coruja que atacará uma cobra que está prestes a comer o sapo?” Souza se perguntou.

Reference: “Ultrasonic distress calls and associated defensive behaviors in Neotropical frogs” by Ubiratã Ferreira Souza, Guilherme Augusto-Alves, Mariana Retuci Pontes, Lucas Machado Botelho, Edélcio Muscat and Luís Felipe Toledo, 8 January 2024, acta etológica.
DOI: 10.1007/s10211-023-00435-3

O estudo também contou com apoio da FAPESP por meio de bolsa de doutorado concedida a Guilherme Augusto Alves e de outro projeto liderado por Toledo.



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Formado em Educação Física, apaixonado por tecnologia, decidi criar o site news space em 2022 para divulgar meu trabalho, tenho como objetivo fornecer informações relevantes e descomplicadas sobre diversos assuntos, incluindo jogos, tecnologia, esportes, educação e muito mais.