O dólar caminha para fechar 2023 com uma queda relevante. De R$ 5,28 no apagar das luzes de 2022, a divisa americana negocia nesses últimos dias do ano mais próximo dos R$ 4,90 na última segunda-feira (18), ou uma baixa de 7,20%. O movimento ocorre, principalmente, com recuo dos rendimentos dos treasuries norte-americanos, ativos que, para especialistas, continuarão em destaque em 2024. Os dados fortes da balança comercial também são destacados pelos analistas como fatores para um melhor desempenho da divisa nacional.

Após flertar com os R$ 5,20 por volta de outubro, a moeda americana vem perdendo força consideravelmente, mas não só contra o real. Frente ao peso mexicano, por exemplo, a divisa já perdeu também quase 5%.

“Em meados de setembro tivemos eventos que puxaram o dólar para cima no mundo. CPI [índice de preços ao consumidor, na sigla em inglês], sinalizações do Fed [Federal Reserve, o banco central americano] e payroll [dados do emprego] levaram os juros  de 4,20% para 5% em três semanas e fizeram o dólar pular de R$ 4,80 para R$ 5,20”, lembra José Faria Júnior, analista da Wagner Investimentos.

Já o movimento de queda começou, majoritariamente, após a publicação de dados indo no sentido contrário, principalmente em novembro. Eles fortaleceram a perspectiva de que o Federal Reserve poderá iniciar um ciclo de corte de juros, que vem se tornando a principal desde então. 

Com taxas menores pagas pelos títulos da dívida pública norte-americana, considerados “os mais seguros do mundo”, investidores passam a aceitar correr mais riscos, gerando fluxo de investimento para outros países, principalmente para emergentes. 

“Em outubro, o dólar teve um breve aumento com o início das tensões no Oriente Médio, seguido por uma rápida recuperação à medida que os investidores precificavam os riscos e a inflação desacelerava nos EUA”, completa  Diego Costa, head de câmbio para o Norte e Nordeste da B&T Câmbio.

Antes desse último movimento, o dólar já tinha perdido força frente ao real no começo do ano, mas mais por conta de questões internas. Os especialistas lembram que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro do primeiro trimestre, mais alto do que o esperado, e o diferencial de juros entre o Brasil e o Estados Unidos foram cruciais no recuo. O dólar chegou a ser negociado próximo a R$ 4,70 por volta do fim de julho.

“O avanço de pautas fiscais no Brasil, como o arcabouço fiscal, a aprovação da reforma tributária e subvenção do ICMS, contribuíram para reduzir as incertezas locais, proporcionando uma perspectiva mais clara sobre o controle do crescimento da dívida pública e aumentando a confiança, corroborada por agências de classificação de risco, atraindo o olhar do investidor estrangeiro”, diz Costa. 

“O dólar começou o ano pouco alto e à medida que o arcabouço foi votado, foi recuando. O mercado viu algum avanço. Além disso, tivemos um PIB forte no primeiro trimestre, com muito destaque para a exportação, e tínhamos um juro real bem alto”, explica Faria Júnior.

O PIB mais forte do que o esperado entre janeiro e março, com destaque para a exportação, beneficiou o real por conta da perspectiva de que mais dólares estavam entrando na economia brasileira. Já no caso do diferencial de juros, a questão é que as taxas pagas pelos contratos brasileiros estavam atraentes na comparação com outros títulos. 

Olhando para agora, a moeda brasileira fica entre o menor juros nominal, já que o Banco Central local já iniciou seu ciclo de baixa, e a menor aversão ao risco. Apesar de as taxas de juros brasileiras estarem caindo frente norte-americanas, parte do recuo recente do dólar frente ao real se dá por conta da existência, por exemplo, de um fluxo estrangeiro à bolsa brasileira.

Em 2024, dólar fica entre juros e recessão

Para o ano que começa em breve, especialistas em câmbio destacam que a dinâmica deve continuar parecida. 

José Faria Júnior enxerga com algum ceticismo a crença do mercado de que o Federal Reserve irá começar a derrubar seus juros em março – que é, ao menos por enquanto, a principal tese vista no mercado. 

“Os Estados Unidos ainda enfrentam uma inflação alta para falar em juros caindo em março. Quando a gente olha as medidas centrais do CPI, ele está alto para acreditar que com três dados a mais de inflação o Fed vai cortar juros”, fala. “Emprego também ainda tá forte, bem como o PMI [índice dos gerentes de compra, na sigla em inglês]”.

Como argumento para embasar a visão incerta quanto às possibilidades da política monetária nos EUA no próximo ano, ele cita ainda o gráfico de pontos trazido pelo Fed em sua última reunião. “Em 2025 há uma dispersão de 200 pontos na taxa de juros. Isso mostra que ninguém sabe para onde vai. É muita diferença”, debate. 

Faria Jr espera que a próxima reunião do Fomc [Comite Federal de Mercado Aberto, na sigla em inglês], marcada para o fim de janeiro, seja um indicativo importante para o câmbio. 

Além do tema da inflação, o especialista menciona que o fiscal americano também não está ajudando o Fed a começar seu ciclo de queda. 

“Eu mesmo achava que o Fed não ia subir tanto os juros, que ia até por volta de 4,5%, por conta do trade off [dilema] que há na dívida americana, que está muito elevada em relação ao PIB. Se subisse muito, o país ia ter dificuldade de pagar a dívida, o que ficou mais óbvio em 2023”, menciona. 

Agora, para o analista da Wagner, 2024 ficará entre o Fed tendo de controlar a inflação de um lado e um possível aumento dos gastos públicos de outro. A maior economia do mundo enfrenta, no próximo ano, uma disputa pelo cargo de presidente da República.

“Se parar para pensar, o Fed dificilmente vai cortar os juros na canetada. O Joe Biden [atual presidente dos EUA] provavelmente vai querer mais dinheiro para ser reeleito e as taxas longas vão subir. Será que as autoridades monetárias vão querer mexer no juros na base da canetada?”, contesta Faria.

Ele lembra que, em 2023, os juros nos Estados Unidos, bem como o dólar, tiveram um impulso para cima vindo da piora fiscal. A agência de risco Moody’s, por exemplo, revisou a perspectiva de rating do país, atualmente em AAA, de estável para negativo em novembro. Já a Fitch rebaixou o rating de AAA para AA+ em agosto. 

O especialista da Wagner Investimentos enxerga o dólar ganhando alguma força no próximo ano, já que em um cenário de juros mais altos por lá, a moeda tende a ganhar força, bem como em um cenário de recessão – na qual investidores buscam a economia norte-americana, que oferece mais segurança.

De acordo com o Eikon, hoje a maioria do mercado enxerga que o dólar fechar 2024 em R$ 5,01, pouco cima do patamar atual. A projeção do relatório Focus para o câmbio se manteve em R$ 5.

“Para o próximo ano, continuaremos atentos a questões macroeconômicas, incluindo desdobramentos políticos e econômicos locais e externos. A Argentina, como terceiro maior parceiro comercial do Brasil, e suas propostas econômicas arrojadas também serão fatores a serem monitorados. Além disso, é preciso observar como as economias reagirão à possível postura dovish (branda) dos bancos centrais, e as implicações de conflitos geopolíticos permanecem como riscos imponderáveis”, fala  Diego Costa, head de câmbio para o Norte e Nordeste da B&T Câmbio.

Dólar ainda em queda?

Enquanto alguns analistas veem o dólar por volta de R$ 5, outros veem a divisa americana se desvalorizando mais em 2024, ainda que não se afastando muito dos patamares do fim de 2023.

Em relatório, o Bank of America projetou o dólar encerrando o próximo ano a R$ 4,75, com uma combinação de juros mais baixos pelo mundo com as fortes contas externas.

“As contas externas vêm apresentando um desempenho surpreendentemente favorável.
Notavelmente, a produção de soja e milho atingiu níveis recordes, impulsionando as exportações brasileiras devido à sua participação considerável na balança comercial”, avalia o BofA, projetando um superávit na balança comercial de US$ 64,3 bilhões no próximo ano.

A XP também vê o dólar encerrando 2024 em um patamar similar, a R$ 4,80. “Projetamos crescimento econômico mais fraco, inflação mais baixa e taxa de câmbio relativamente estável nos próximos meses, o que deve permitir ao Banco Central reduzir a taxa básica de juros. No entanto, as incertezas fiscais permanecem elevadas e podem limitar o espaço para flexibilização monetária no próximo ano. A pressão política pode aumentar, causando alguma volatilidade no mercado. Mas não projetamos uma deterioração nos fundamentos econômicos ou nos preços dos ativos financeiros”, aponta a equipe de economistas.

Para a Itaú Asset, as divisas de países emergentes devem ganhar força em 2024, com a moeda brasileira entre os destaques, com o agronegócio e o setor petrolífero, que já tinham sido responsáveis pela valorização do real, contribuindo para a valorização do real nos próximos meses.

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