O recente ressurgimento e surto de Mpox trouxe de volta os poxvírus como uma ameaça à saúde pública, sublinhando uma importante lacuna de conhecimento no seu núcleo. Agora, uma equipe de pesquisadores do Instituto de Ciência e Tecnologia da Áustria (ISTA) desvendou os mistérios da arquitetura central do poxvírus, combinando várias técnicas de microscopia crioeletrônica com modelagem molecular. As descobertas, publicadas em Biologia Estrutural e Molecular da Naturezapoderia facilitar pesquisas futuras sobre terapêuticas direcionadas ao núcleo do poxvírus.
Varíola vírus, o mais notório poxvírus e um dos vírus mais mortais que afligiu os humanos, causou estragos ao causar a varíola até ser erradicado em 1980. A erradicação foi bem-sucedida graças a uma extensa campanha de vacinação usando outro poxvírus, o apropriadamente denominado vírus Vaccinia. O ressurgimento e surto do vírus Mpox em 2022-2023 lembrou-nos mais uma vez que os vírus encontram formas de regressar ao primeiro plano como ameaças à saúde pública. É importante ressaltar que isto destacou as questões fundamentais sobre os poxvírus que permanecem sem resposta até hoje.
Uma dessas questões fundamentais reside, literalmente, no cerne da questão: “Sabemos que para que os poxvírus sejam infecciosos, o seu núcleo viral deve estar devidamente formado. Mas de que é feito esse núcleo do poxvírus e como seus componentes individuais se unem e funcionam?” pergunta o professor assistente do ISTA, Florian Schur, autor correspondente do estudo.
Schur e sua equipe agora apontam o elo perdido: uma proteína chamada A10. Curiosamente, o A10 é comum a todos os poxvírus clinicamente relevantes.
Além disso, os pesquisadores descobriram que o A10 atua como um dos principais blocos de construção do núcleo do poxvírus. Este conhecimento pode ser fundamental para pesquisas futuras sobre terapêuticas direcionadas ao núcleo do poxvírus.
“As técnicas crio-EM mais avançadas disponíveis atualmente”
O núcleo viral é um dos fatores comuns a todas as formas infecciosas de poxvírus. “Experiências anteriores em virologia, bioquímica e genética sugeriram vários candidatos a proteínas centrais para poxvírus, mas não havia estruturas derivadas experimentalmente disponíveis”, diz Julia Datler, estudante de doutoramento da ISTA, uma das co-autoras do estudo.
Assim, a equipe começou prevendo computacionalmente modelos das principais proteínas candidatas, usando a agora famosa ferramenta de modelagem molecular baseada em IA AlphaFold.
Paralelamente, Datler estava estabelecendo as bases bioquímicas e estruturais do projeto, valendo-se de sua experiência em virologia e da principal experiência do grupo Schur: microscopia eletrônica criogênica, ou crio-EM, para abreviar.
“Integramos muitas das técnicas crio-EM mais avançadas disponíveis atualmente com a modelagem molecular AlphaFold. Isto deu-nos, pela primeira vez, uma visão geral detalhada do núcleo do poxvírus – o ‘seguro’ ou ‘biorreator’ dentro do vírus que envolve o genoma viral e o libera nas células infectadas”, diz Schur.
“Foi um pouco arriscado, mas finalmente conseguimos encontrar a combinação certa de técnicas para examinar esta questão complexa”, diz o pós-doutorado Jesse Hansen, co-autor do estudo, cuja experiência em várias técnicas de biologia estrutural e métodos de processamento de imagem foi fundamental para o projeto.
Uma visão global em 3D do poxvírus
Os pesquisadores da ISTA examinaram vírions maduros “vivos” do vírus Vaccinia e purificaram núcleos de poxvírus sob todos os ângulos possíveis – literalmente.
“Combinamos o crio-EM ‘clássico’ de partícula única, a tomografia crioeletrônica, a média do subtomograma e a análise AlphaFold para obter uma visão geral do núcleo do poxvírus”, diz Datler. Com a tomografia crioeletrônica, os pesquisadores podem reconstituir volumes 3D de uma amostra biológica tão grande quanto um vírus inteiro, adquirindo imagens enquanto inclina gradualmente a amostra.
“É como fazer uma tomografia computadorizada do vírus”, diz Hansen. “A tomografia crioeletrônica, a ‘especialidade’ do nosso laboratório, nos permitiu obter resoluções em nível nanométrico de todo o vírus, seu núcleo e interior”, diz Schur.
Além disso, os pesquisadores puderam encaixar os modelos AlphaFold nas formas observadas como um quebra-cabeça e identificar as moléculas que compõem o núcleo do poxvírus. Entre estes, a proteína central candidata A10 destacou-se como um dos principais componentes. “Descobrimos que A10 define os principais elementos estruturais do núcleo dos poxvírus”, diz Datler.
Schur acrescenta: “Essas descobertas são um grande recurso para interpretar fragmentos de dados estruturais e virológicos gerados nas últimas décadas”.
Um caminho difícil para descobrir núcleos de poxvírus
O caminho para essas descobertas foi praticamente direto. “Precisávamos encontrar o nosso próprio caminho desde o início”, diz Datler.
Aproveitando sua experiência em bioquímica, virologia e biologia estrutural, Datler isolou, propagou e purificou amostras do vírus Vaccinia e estabeleceu os protocolos para purificar o núcleo viral completo, ao mesmo tempo em que otimizava essas amostras para estudos estruturais. “Estruturalmente, foi extremamente difícil estudar esses núcleos de vírus. Mas, felizmente, a nossa perseverança e otimismo valeram a pena”, diz Hansen.
Os investigadores da ISTA estão convencidos de que as suas descobertas poderão fornecer uma plataforma de conhecimento para futuras terapêuticas que procurem atingir núcleos de poxvírus.
“Por exemplo, pode-se pensar em medicamentos que impedem a montagem do núcleo – ou mesmo a desmontagem e a liberação do vírus ADN durante a infecção. Em última análise, a investigação fundamental sobre vírus, como a feita aqui, permite-nos estar melhor preparados contra possíveis futuros surtos virais”, conclui Schur.
Referência: “Cryo-EM multimodal revela trímeros da proteína A10 para formar a camada paliçada em núcleos de poxvírus” 5 de fevereiro de 2024, Biologia Estrutural e Molecular da Natureza.
DOI: 10.1038/s41594-023-01201-6
Todos os autores deste trabalho são afiliados ao Instituto de Ciência e Tecnologia da Áustria (ISTA). O trabalho é uma colaboração entre membros do grupo Schur (Julia Datler, Jesse M. Hansen, Andreas Thader, Lukas W. Bauer, Florian KM Schur), a Unidade de Computação Científica (Alois Schlögl) e o Centro de Microscopia Eletrônica (Victor- Valentin Hodirnau).