Vencedor da Competição Dramática Mundial de Sundance, o discreto e essencial drama mexicano das co-diretoras Astrid Rondero e Fernanda Valadez, “Sujo”, é um dos dois filmes da programação deste ano (o outro é “Ponyboi”) em que crianças que receberam distintivos nomes de pais machistas condenados passam anos se perguntando o que esses apelidos significam. Em ambos os casos, a eventual revelação coloca uma conclusão comovente nas histórias de jovens latinos que lutam para escapar do ciclo de ignorância e comportamento pouco saudável que ameaça derrubá-los.
Uma entrada otimista em um gênero tradicionalmente brutal, “Sujo” é uma história sobre desafiar a gravidade. Como a Bela Adormecida – que consegue espetar o dedo, mesmo depois de todas as rodas giratórias do reino terem sido consideradas destruídas – ou figuras trágicas da mitologia grega cujos destinos são ditados pelos deuses, a personagem-título parece condenada a seguir os passos de seu pai, Josué (Juan Jesús Varela Hernández), um sicário morto pelo mesmo cartel para o qual trabalhava.
Rondero e Valadez (que colaboraram no lançamento de Sundance em 2020, “Identifying Features”) abordam o tema sensacionalista da guerra às drogas mexicana com uma sensibilidade artística, eliminando o glamour ilícito que acompanha os thrillers mais voltados para a ação no sul da fronteira. , como “Miss Bala” ou “Sicario”. Na verdade, é mais parecido com “Boyhood”, de Richard Linklater, à medida que os cineastas verificam Sujo (interpretado por dois atores diferentes) ao longo dos anos. Primeiro, eles apresentam seu pai quando criança, ainda inocente o suficiente para imaginar qualquer tipo de vida que desejasse para si. O jovem Josué fica maravilhado ao ver um cavalo selvagem, um lindo animal que passa a representar um tipo de liberdade que ele nunca conhecerá, mas que o filho de Josué poderá um dia alcançar, se ao menos o menino conseguir evitar as armadilhas que o cercam.
Em uma cena inicial perturbadora, Sujo (Kevin Uriel Aguilar Luna) fica sentado no banco de trás enquanto seu pai cuida de seus negócios, o que, nesta ocasião em particular, significa fazer alguém desaparecer. Trancado no carro, o menino alheio não entende o que está acontecendo, mas o público entende, o que torna esta variação sombria de um dia de “levar seu filho para o trabalho” singularmente arrepiante. Como pode a criança abrir um caminho para si mesma se o seu próprio pai – o seu modelo mais forte e uma presença terna em casa – normaliza este tipo de actividade a partir de uma idade tão impressionável?
Os cineastas apresentam essa memória da perspectiva de Sujo: entediado no início, depois ansioso e sem compreender quando Josué (conhecido como “Ocho”, de acordo com sua posição na hierarquia do cartel) não retorna por horas, ele fica sentado nos carros por horas até um velho passa por ali. E se essa tivesse sido a última vez que Sujo viu seu pai?
Rondero e Valadez resistem a retratar a violência abertamente – o que pode decepcionar aqueles que esperam por um thriller mais convencional – embora ela se espreite como uma espécie de carnívoro sanguinário, lambendo as mandíbulas fora da tela durante a maior parte do filme. O roteiro deles fornece informações suficientes para juntar as peças, sugerindo o que Josué fez para selar seu próprio destino (ele matou o filho do chefe do cartel local), bem como a ameaça de que Sujo estava destinado a acabar “no mesmo barril”. onde eles enfiaram o corpo de seu pai.
Quando o traficante local vem à procura de Sujo, a DP Ximena Amann agacha-se debaixo da mesa da cozinha com o rapaz, que não pode saber o que está em jogo neste jogo de esconde-esconde em particular. Ou talvez sim: Sujo se molha naquele momento. Felizmente para a criança, a irmã feiticeira de Josué, Nemesia (Yadira Pérez Esteban), que mora em uma cabana fora da cidade sem piso nem eletricidade, intervém para criar seu sobrinho órfão.
Deste ponto em diante, o filme percorre as principais influências na vida de Sujo (interpretado quando jovem por Juan Jesús Varela), algumas das quais – como os primos Jai (Alexis Jassiel Varela) e Jeremy (Jairo Hernandez Ramirez), que se junta ao cartel – puxe-o de volta à tentação. Outros, como a professora da cidade grande, Susan (Sandra Lorenzano), que vê um potencial diferente no menino, o incentivam a encontrar outro caminho.
Falando narrativamente, a história é mais emocionante quando os riscos para Sujo são maiores. Mas os momentos que ficam com você nos dias e semanas seguintes são os tranquilos: vislumbres da vida de uma criança arrancada de uma cultura machista e criada em segredo. Privado de uma figura paterna, Sujo é forçado a definir sua própria masculinidade e provocado quando chega à Cidade do México pelos durões como uma academia de boxe ao ar livre.
De alguma forma, Jai consegue localizá-lo e, de repente, qualquer progresso que Sujo tenha feito em direção a uma nova vida (que inclui a matrícula na aula de Susan) pode ser eliminado pela decisão errada. Em “Sujo”, não basta escapar da atração dos cartéis; alguém em sua posição deve se afastar conscientemente desse mundo a cada escolha. Quando a explicação do nome de Sujo finalmente chega, há uma trágica ironia em seu significado e o fato de Sujo nunca saber o que aprendemos. O pai que o batizou se foi, mas fica claro naquela cena que ele queria que seu filho fosse livre.