Empreender no segmento de cannabis significa educar o público diariamente, lutar por novas regulamentações e aprender constantemente com novas pesquisas. Tudo isso enquanto encontra formas de viabilizar um negócio sustentável, com impacto social positivo e produtos de qualidade.
Navegar por esses caminhos turbulentos não tira o bom-humor de Ana Júlia Kiss, CEO e fundadora da Humora.
Os desafios só funcionam para dar mais energia para a empreendedora do setor de cannabis. Fundada em 2022, a Humora produz e vende canabidiol (CBD) isolado com outros fitoterápicos e ainda oferece assessoria médica para obtenção de tratamentos com o produto no Brasil.
Ana Júlia fundou a Humora depois de passar anos liderando o negócio da família, uma grande companhia do setor químico, e trouxe para o mundo da cannabis parte da visão de que a tecnologia é essencial para o ganho de escala. Feitos com base na nanotecnologia, os produtos da Humora tem formatos como spray, que ajudam na absorção pelo corpo.
Nesta entrevista à Fast Company Brasil, a empreendedora fala sobre proibicionismo e desconhecimento sobre as propriedades da planta, a tecnologia incorporada ao produtos e sobre os desafios do mercado de cannabis medicial.
FC Brasil – De acordo com a Kaya Mind, mais de 430 mil pessoas fazem uso terapêutico de derivados de cannabis no Brasil. Mesmo com as questões regulatórias, é um público que cresce. Quais são os desafios para tornar este mercado ainda mais amplo e quais as perspectivas para o segmento?
Ana Júlia Kiss – São dois pilares: regulamentação e educação. Regularizar, legalizar, ter normas mais claras para a importação de produtos, isso tudo é um desafio pelo qual o mercado precisa passar.
Quando falamos em educação, é preciso educar os médicos sobre o sistema endocanabinóide, que é uma descoberta super recente, de 1991. Eu brinco que tem médicos que se formaram antes dessa descoberta.
Daqui a 10 anos, o assunto nem será mais sobre se cannabis faz bem ou não. Estaremos em outro momento.
Tem muitas faculdades que não apresentam esse sistema nos cursos. O sistema endocanabinóide é formado pelo grupo de receptores do THC e do CBD espalhados pelo corpo. O sistema ajuda o equilíbrio do corpo.
O pilar da educação também significa educar a população e os possíveis pacientes sobre os benefícios e a má classificação que houve da cannabis por conta do proibicionismo.
É uma planta que está inserida há mais de cinco mil anos na cultura humana, que já teve mais de 300 modificações criadas pelo homem. Ela tem diversos usos, dá uma série de produtos, mas nós nos afastamos por conta de preconceito.
Para mim estes, são os maiores desafios: educar a população que isso não é droga, educar o sistema para os médicos e legalizar. Quando falamos de regularizar, é regular algo da natureza, um fitoterápico, não é medicamento de tarja preta.
FC Brasil – O que é a Humora e como ela se diferencia no mercado de cannabis?
Ana Júlia Kiss – A Humora parte do princípio que, se todos nós temos um sistema endocanabinóide, todos deveríamos fazer uso de cannabis medicinal, para alimentar e suplementar esse sistema.
Nosso produto é à base de água, mais fácil para o corpo absorver. O mercado costuma fazer à base de óleo. Nossos produtos têm nanopartículas de CBD que penetram mais no corpo, e mais rápido.
Fazemos fórmulas focadas na condição das pessoas, por exemplo, para tratar a tensão pré-menstrual ou para melhorar o sono. Empoderamos o paciente para que ele conheça o seu corpo e quais são as suas queixas. Temos cashback social, doando parte do nosso faturamento. Temos selo eu-reciclo, compensamos o carbono do frete aéreo.
FC Brasil – Como tem sido para você navegar por uma indústria nova, que exige quebrar preconceitos e fomentar o conhecimento e a conscientização?
Ana Júlia Kiss – Tem sido uma jornada divertida. Um dos grandes prazeres de estar nesta jornada da indústria da cannabis medicinal é que todo dia eu aprendo, não só porque é coisa nova, mas porque todo dia tem novos estudos, novas possibilidades.
E tem também novas regras, faz a gente repensar nossos planos de negócio. Para mim, tem sido um prazer ser desafiada constantemente a pensar diferente. Isso valoriza o aspecto humano da jornada.
os maiores desafios são educar a população que isso não é droga, educar o sistema para os médicos e legalizar.
Por se tratar de preconceitos e necessidade de educação, isso faz com que a gente tenha visão além do nosso ciclo, fora das nossas bolhas. Temos que colocar uma lente empática para entender como o assunto é visto nas periferias, como é visto na Faria Lima, como ele atinge cada recorte da sociedade.
Isso nos estimula a ter uma empatia, um eco grande com cada um dos humanos que entram em contato com a gente. Daqui a 10 anos, o assunto nem será mais sobre se cannabis faz bem ou não, estaremos em outro momento. É muito bom fazer parte desta caminhada.
FC Brasil – Você assumiu os negócios da família na indústria química e foi investidora anjo de companhias como AppJusto e RoupaTeca. Como foi a sua trajetória até idealizar a Humora e o que te motiva a apoiar startups?
Ana Júlia Kiss – Fui formada em três frentes. Ter gerido a empresa da minha família me fazia ter mentalidade de atuar em uma indústria “na raça”, que tinha que se manter sem investidor externo, com dinheiro contado.
Depois, quando fizemos a venda para um grupo norte-americano, tive contato com uma maneira de ver completamente diferente: de escala, da globalização, da abundância de dinheiro.
Quando virei investidora anjo, durante meu ano sabático, optei por olhar para startups de alto impacto social. Foi um lugar para eu renovar, me conectar com a mentalidade ágil.
Ter ido ao mundo das startups me deu muito letramento sobre a existência de novos modelos industriais, porque eu vinha de um modelo antigo, com chão de fábrica. No papel de investidora anjo, vi que existem outros tipos de liquidez, de tangibilidade e outras maneiras de se fazer negócios.
Quando fundei a Humora, foi um pouco de tudo. Trabalhar com cannabis é puro impacto, porque você está falando de mudar lei, falando de uma alternativa econômica e também social. Porque tem a questão de reparação para aqueles que sofreram dano por isso ter sido proibido por tantos anos.
FC Brasil – Você se descreve como uma empreendedora cheia de ânimo e bom-humor. Sabemos o quanto é complexo ser empreendedor no Brasil. Como empreender e manter o bom-humor?
Ana Júlia Kiss – Sou hemp-empreendedora, e, para mim, bom-humor é tudo. É o que constrói relação, o que desarma uma briga. Trabalhar com bom-humor cria vínculo, sorriso no rosto, facilita a gente encarar os desafios. Esses desafios vão vir, e é cansativo, sim.
Mas, quando você mantém o bom-humor e assume boas intenções, você aceita a adversidade e se dispõe a pensar diferente, sem dor ou recorte direcionado, pensa mais em soluções, vê o lado positivo, vê o copo cheio.
O bom humor na adversidade faz você ter mais soluções. Você encara a diversidade como algo que vai te desenvolver. É um lugar de brincar.