Em São Paulo, Brasil, a corvina prateada, uma espécie invasora espécies, tornou-se o peixe predominante no reservatório do Jaguari e nos rios adjacentes, diminuindo significativamente a diversidade de espécies de peixes nativos. Apesar da sua importância económica, o controlo da sua população coloca desafios ecológicos e jurídicos significativos.
A corvina prateada (Plagioscion muito escamoso), também conhecida como corvina ou pescada-branca em português, é nativa da Amazônia e provavelmente responsável pelo declínio significativo na diversidade de espécies nativas no reservatório Jaguari, no rio Jaguari e no rio do Peixe. Esses corpos hídricos são componentes integrantes do Sistema de Produção de Água Cantareira e da Bacia do Paraíba do Sul, localizada no estado de São Paulo, Brasil.
Sendo um predador de topo na rede alimentar, o invasor afetou negativamente a biodiversidade local, provocando alterações prejudiciais na sua estrutura taxonómica, funcional e filogenética, de acordo com um estudo publicado em Invasões Biológicas by researchers at São Paulo State University (UNESP).
Eles analisaram dados de monitoramento de peixes coletados pela concessionária de energia CESP (Companhia Energética de São Paulo), que registra a presença da espécie no reservatório desde 2001. Os dados analisados são referentes a um período que termina em 2016. Em no máximo dez anos, P. escamoso tornou-se a espécie de peixe mais abundante no reservatório.
Esforços de Pesquisa e Monitoramento
“Embora esse predador esteja amplamente distribuído em reservatórios de hidrelétricas em todo o Brasil, seus potenciais efeitos sobre espécies nativas nunca haviam sido estudados antes. Nossa análise destaca perdas consideráveis na diversidade de espécies de peixes na região”, disse Aymar Orlandi Neto, primeiro autor do artigo. Realizado na Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira (FEIS-UNESP), o estudo fez parte de sua pesquisa de doutorado no Instituto de Biociências de Botucatu (IBB-UNESP) com bolsa da FAPESP. Alguns dos resultados foram obtidos enquanto ele fazia pesquisa na Universidade de Valência, na Espanha, com bolsa da FAPESP.
A CESP faz esse monitoramento da fauna para cumprir as regras de licenciamento ambiental para operação da barragem e da usina impostas pelo IBAMA, principal órgão ambiental federal. A cada quatro meses, seus técnicos instalam redes em locais pré-determinados do reservatório (entre Jacareí e São José dos Campos) e no Peixe e Jaguari, identificam as espécies capturadas e estimam sua abundância.
Efeitos sobre predadores nativos
“Analisamos 15 anos de dados de monitoramento e constatamos a abundância de predadores nativos, com destaque para o cação-fino (Oligosarcus hepsetus), ter diminuído significativamente à medida que P. escamoso predaram peixes menores e se tornaram mais abundantes”, disse Igor Paiva Ramos, último autor do artigo e professor da FEIS-UNESP.
Contudo, não é possível afirmar, a partir dos dados disponíveis, se o declínio da O. hepsetus foi devido à competição indireta, uma vez que tanto esta espécie quanto o invasor podem atacar o mesmo peixe. Outra possibilidade é que P. escamosoque pode atingir 80 cm, predava O. hepsetus, que é bem menor (30 cm na idade adulta). O primeiro normalmente habita corpos d’água parados, como lagos, e prosperou no reservatório, enquanto O. hepsetuso predador nativo, prefere água corrente.
Impacto econômico
As espécies invasoras são um problema global e ocorrem em ambientes de todos os tipos, na terra e na água. No Brasil, os danos anuais causados por animais, plantas e microrganismos não-nativos foram estimados em R$ 15 bilhões (atualmente cerca de US$ 2,9 bilhões).
A figura é do Relatório Temático sobre Espécies Exóticas Invasoras, Biodiversidade e Serviços Ecossistémicoslançado em março pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), que conta com o apoio da FAPESP por meio do Programa de Pesquisa em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA-FAPESP).
No artigo sobre o estudo da UNESP, os pesquisadores ressaltam que outras espécies introduzidas aparecem nos registros do reservatório Jaguari, entre elas o Tucunaré (Cichla spp.), também nativa da Amazônia, e Oreochromis niloticus e Coptodon rendalliambas tilápias originárias da África, mas seus números são muito pequenos, reforçando a conclusão de que a diversidade nativa diminuiu devido à P. escamoso.
A perda de diversidade observada pelos autores aplica-se a todas as três dimensões consideradas quando este tipo de impacto é avaliado – taxonômico, funcional e filogenético. Foram notadas perdas de riqueza de espécies durante o período analisado, juntamente com a substituição de muitas espécies especializadas raras por algumas generalistas, e diferenças significativas foram encontradas na composição e abundância de espécies na comunidade de peixes local, com o desaparecimento de grupos evolutivos inteiros.
Desafios de gestão
Não existem soluções simples para o problema. A espécie é vista como um recurso pesqueiro fundamental tanto para subsistência quanto para esporte. Erradicá-lo poderia causar problemas sociais. “A espécie se tornou muito comum em todo o Brasil. Substitui espécies nativas e hoje desempenha um papel social muito importante nas economias locais”, disse Ramos.
No entanto, propôs medidas semelhantes às tomadas em outros países para lidar com espécies invasoras. Uma dessas medidas seria permitir a caça desta espécie durante todo o ano, sem limites de tamanho ou proibição durante o período reprodutivo, com o objectivo de erradicá-la ou, pelo menos, reduzir a sua abundância.
No entanto, as leis federais e estaduais restringem a pesca não apenas de espécies nativas, o que é bastante correto, mas também de espécies invasoras, até certo ponto. “Isso acaba perpetuando espécies prejudiciais à fauna local”, disse Orlandi Neto.
Ramos destacou que a erradicação dos invasores não leva necessariamente ao retorno dos indígenas. “Não sabemos se outro invasor tomará o lugar de P. escamoso se for removido. O ambiente foi modificado a tal ponto que pode não ser mais adequado para os antigos habitantes”, disse ele.
Reference: “Long-term impact of an invasive predator on the diversity of fish assemblages in a neotropical reservoir” by Aymar Orlandi Neto, Danilo Caneppele, Hugo Marques, João Henrique Pinheiro Dias, Juan Antonio Balbuena, Claudio de Oliveira and Igor Paiva Ramos, 14 February 2024, Invasões Biológicas.
DOI: 10.1007/s10530-023-03243-9