A deficiência intelectual observada em indivíduos com três cópias do cromossomo 21 pode ser atribuída à redução da atividade do gene Snhg11 no cérebro.
Cientistas do Centro de Regulação Genômica (CRG) descobriram o papel significativo do gene Snhg11 no desenvolvimento e funcionalidade dos neurônios do hipocampo. Experimentos envolvendo camundongos e amostras humanas mostraram atividade reduzida desse gene em cérebros afetados pela síndrome de Down, sugerindo uma ligação com os desafios de memória enfrentados por indivíduos com a síndrome. As descobertas foram publicadas recentemente na revista Psiquiatria Molecular.
Tradicionalmente, grande parte do foco na genómica tem sido nos genes codificadores de proteínas, que em humanos constituem cerca de apenas 2% de todo o genoma. O resto é “matéria escura”, incluindo vastas extensões de matéria não codificada ADN sequências que não produzem proteínas, mas são cada vez mais reconhecidas por seus papéis na regulação da atividade genética, influenciando a estabilidade genética e contribuindo para características e doenças complexas.
Snhg11 é um gene encontrado na “matéria escura”. É uma longa não codificação ARN, um tipo especial de molécula de RNA que é transcrita do DNA, mas não codifica uma proteína. Os RNAs não codificantes são reguladores importantes dos processos biológicos normais, e sua expressão anormal foi anteriormente associada ao desenvolvimento de doenças humanas, como o câncer. O estudo é a primeira evidência de que um RNA não codificante desempenha um papel crítico na patogênese da síndrome de Down.
Síndrome de Down e o papel do Snhg11
A síndrome de Down é uma doença genética causada pela presença de uma cópia extra do cromossomo 21, também conhecida como trissomia 21. É a causa genética mais comum de deficiência intelectual, estimando-se que afete cinco milhões de pessoas em todo o mundo. Pessoas com síndrome de Down têm problemas de memória e aprendizagem, problemas anteriormente ligados a anomalias no hipocampo, uma parte do cérebro envolvida na aprendizagem e na formação da memória.
“O gene é particularmente ativo no giro denteado, uma parte do hipocampo crucial para a aprendizagem e a memória e uma das poucas regiões do cérebro onde novos neurônios são criados continuamente ao longo da vida. Descobrimos que o Snhg11 expresso anormalmente resulta em neurogênese reduzida e plasticidade alterada, que desempenha um papel direto na aprendizagem e na memória, indicando assim um papel fundamental na fisiopatologia da deficiência intelectual”, diz o Dr. César Sierra, primeiro autor do artigo.
Os autores estudaram o hipocampo em modelos de camundongos que possuem uma composição genética semelhante à síndrome de Down em humanos. O hipocampo possui diversos tipos de células, e o estudo teve como objetivo entender como a presença de um cromossomo 21 extra afeta essas células.
Os pesquisadores isolaram os núcleos das células cerebrais e usaram uma técnica chamada sequenciamento de RNA de núcleo único para ver quais genes estão ativos em cada célula. Uma das descobertas mais marcantes foi nas células do giro denteado, onde os pesquisadores detectaram uma redução importante na expressão do Snhg11. Os pesquisadores também encontraram níveis mais baixos de Snhg11 nos mesmos tipos de tecidos de cérebros post-mortem humanos com trissomia 21, indicando a relevância para os casos humanos.
Para compreender os efeitos da expressão reduzida de Snhg11 na cognição e na função cerebral, os investigadores reduziram experimentalmente a atividade do gene nos cérebros de ratos saudáveis. Eles descobriram que baixos níveis de Snhg11 eram suficientes para reduzir a plasticidade sináptica, que é a capacidade das conexões neuronais de se fortalecerem ou enfraquecerem ao longo do tempo. A plasticidade sináptica é crucial para a aprendizagem e a memória. Também reduziu a capacidade do rato de criar novos neurônios.
Direções Futuras e Terapias Potenciais
Para entender o impacto de suas descobertas no mundo real, os pesquisadores também realizaram vários testes de comportamento com ratos. Estas experiências confirmaram que baixos níveis de Snhg11 levaram a problemas de memória e aprendizagem semelhantes aos observados na síndrome de Down, sugerindo que o gene regula a função cerebral.
Snhg11 já foi associado à proliferação celular em diferentes tipos de câncer. Os pesquisadores planejam realizar mais pesquisas para descobrir os mecanismos exatos de ação envolvidos, informações que poderiam abrir caminhos potenciais para novas intervenções terapêuticas. Irão também explorar se outros genes que envolvem ARN não codificantes longos, muitos dos quais ainda não foram descobertos, poderão também contribuir para deficiências intelectuais.
“Existem muitas intervenções para ajudar as pessoas com síndrome de Down a viver de forma independente, mas apenas algumas são farmacológicas. Estudos como este ajudam a estabelecer as bases para encontrar estratégias que podem ajudar a melhorar a memória, a atenção e as funções de linguagem, ou prevenir o declínio cognitivo associado ao envelhecimento”, diz a Dra. Mara Dierssen, coautora do artigo e líder do grupo Cellular & Laboratório de Neurobiologia de Sistemas do Centro de Regulação Genômica.
Referência: “O lncRNA Snhg11, um novo candidato que contribui para a neurogênese, plasticidade e déficits de memória na síndrome de Down” por Cesar Sierra, Miguel Sabariego-Navarro, Álvaro Fernández-Blanco, Sonia Cruciani, Alfonsa Zamora-Moratalla, Eva Maria Novoa e Mara Dierssen, 27 de fevereiro de 2024, Psiquiatria Molecular.
DOI: 10.1038/s41380-024-02440-9